Um concelho que cuida dos seus idosos, é um concelho que tem alma!
Opinião de Ricardo Oliveira,
Médico Geral e Familiar.
Na Maia, a nossa Maia, onde crescemos e vimos os nossos filhos crescer, há histórias que se contam baixinho, atrás de portas fechadas. Histórias de pais e avós que, de repente, já não são os mesmos. Como médico de família, tenho a sorte (e a responsabilidade) de ser um dos primeiros a ouvir estes desabafos, a partilhar estas dores. E confesso-me, com o coração nas mãos, que não há nada mais difícil do que ver uma família à deriva, sem saber o que fazer, quando a mente de um dos seus adoece.
Não falamos de uma gripe ou de uma dor nas costas. Falamos de algo que mexe com o nosso eu mais profundo. Aquela avó que sempre foi o sol lá de casa, que de um dia para o outro se esconde nas sombras. O avô, o pilar que parecia inabalável, que começa a perder o rumo, a esquecer nomes, a ter medo. E a família, que os ama acima de tudo, não entende. Pensa que é “birra”, que são “manias da idade”, que é “preguiça”. A vergonha instala-se, o estigma faz-se sentir, e o silêncio toma conta de tudo.
Isto não é um problema abstrato; é a nossa realidade, a nossa luta diária. Em Portugal, e os dados do Instituto Ricardo Jorge e da Ordem dos Psicólogos não me deixam mentir, a doença mental na terceira idade é uma epidemia silenciosa. E a maior parte das vezes, nem sequer tem um nome. É subdiagnosticada, porque falta informação, falta apoio, falta a coragem de dizer “preciso de ajuda”.
Precisamos de olhar para isto de frente. Não podemos deixar que as nossas famílias se sintam sozinhas. A Câmara da Maia tem um papel fundamental aqui. Precisamos de mais do que eventos de vez em quando. Precisamos de uma verdadeira rede de segurança. De programas de apoio familiar que ensinem a lidar com estas situações, de grupos de partilha onde se possa chorar, rir e desabafar sem julgamentos. Precisamos de levar o conhecimento a todas as freguesias, a todos os bairros, a todos os lares.
Um concelho que cuida dos seus idosos, é um concelho que tem alma. Não podemos virar as costas a quem nos deu tudo. A doença mental em idades avançadas é um grito abafado, e cabe-nos a nós, como comunidade, dar-lhe voz. Porque, no fundo, só um concelho com coração consegue ter um futuro.