«Reforcei a minha convicção de quão estúpida e selvagem é a guerra»
Mário Nuno Neves, vereador do Pelouro das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia, visitou Ucrânia.
Vereador Mário Neves, esteve na Ucrânia para, em representação do município, participar na “III Cimeira Anual Internacional de Cidades e Regiões”. Estivemos com ele a conversa para, através do seu olhar, revisitar a situação desse país em guerra. Entre experiências falou-nos das oportunidades para empresas maiatas e de um protocolo de colaboração.

MaiaHoje – Soubemos que esteve recentemente em Kiev a representar o Município da Maia numa cimeira internacional. Pode partilhar connosco as suas impressões sobre a mesma?
Mário Nuno Neves – Sim, é verdade, a convite do governo ucraniano, participei nos passados dias 5 e 6 de junho na III Cimeira Anual Internacional de Cidades e Regiões, inaugurada, pessoalmente, pelo Presidente Zelensky. Nessa conferência (em que fui acompanhado pelo consultor em planeamento urbano do Município, o Arquiteto Carlos Portugal), nas várias sessões, foram tratadas questões muito importantes para a reconstrução da Ucrânia, onde pude constatar inúmeras oportunidades de negócio para empresas portuguesas, especialmente as maiatas, interessadas em investir nesse país, muito especialmente na área da construção, das infraestruturas e energia.
Embora as autoridades de governo central, regional e local ucranianas já estejam a investir fortemente nessa reconstrução, há ainda muito para fazer e não foi por acaso que na cimeira participaram representantes de muitos países, autarquias e grupos empresariais, até do Japão.
Aproveitei também para conversar com o Governador do Oblast de Zakarppattia, no oeste ucraniano, reatando conversações sobre o estabelecimento de um protocolo de colaboração mútua entre a Maia e Uzhhorod, capital regional, um processo anteriormente iniciado, pelo meu antecessor no Pelouro das Relações Internacionais, Dr. Paulo Ramalho.
MH – O que percebeu sobre a realidade atual da Ucrânia?
MNN – Além de Kiev, tive a oportunidade de me deslocar a Borodyanka, a Bucha e a Irpin (onde também estive na Ponte Romanivsky, estrutura que foi completamente destruída pelos russos), localizações icónicas enquanto testemunho desta guerra violentíssima que tantas vidas humanas tem ceifado e tanta destruição tem provocado.
Essas visitas e o contato direto que tive com os ucranianos, deram-me não só a real dimensão da tragédia, mas também a certeza clara da capacidade de resistência, coragem e empenho de todo um povo na sua libertação.
Outro aspeto que me espantou foi a normalização de uma situação completamente anormal, como é um estado de guerra, por parte da população.
Kiev, por exemplo, é uma cidade fervilhante, cheia de movimento, que só para quando é bombardeada, voltando, imediatamente após os ataques à regularidade da sua vida.

MH – Sentiu pessoalmente a guerra?
MNN – Sim, e com toda a intensidade, na noite de 5 de junho, Kiev foi fortemente bombardeada, foram lançados pelos russos 450 drones e cerca de 25 mísseis de cruzeiro, muitos abatidos pelo sistema de defesa antiaérea, situação violentíssima e dramática que pude testemunhar com os meus próprios olhos, já que preferi ir para a rua com alguns ucranianos do que me enfiar no abrigo subterrâneo proporcionado pelo hotel.
Como nunca tinha experienciado uma situação concreta de guerra, posso dizer que fiquei com um conhecimento prático da mesma, reforçando a minha convicção de quão estúpida e selvagem é a mesma.
Por outro lado, pensei na imensa sorte que nós, os portugueses, temos e quão ridículas são as disputas e picardias que por cá vamos tendo.
MH – O que mais o impressionou nessa deslocação?

MNN – A visita a Borodyanka, local onde nos primeiros dias da guerra uma extensa coluna do exército russo foi travada e em que a mesma, na retirada, destruiu sistemática e indiscriminadamente todos os edifícios e torturaram e assassinaram todos os civis que encontraram nas ruas. Bucha, ao Memorial aos Mártires da Ocupação, uma musealização de um quarteirão onde foram encontradas dezenas e dezenas de valas comuns com civis assassinados (onde deixamos uma bandeira portuguesa, a título de homenagem). Cemitério dos veículos destruídos (muitos deles repletos de famílias com idosos e crianças em fuga) pelos bombardeamentos. Kiev, de uma exposição multimédia dedicada às histórias reais de crianças vítimas da agressão pelos invasores, foram os momentos que mais me tocaram.
MH – E a viagem, foi fácil?
MNN – Foi uma viagem bastante cansativa, por avião para Cracóvia, à ida via Zurique e à vinda via Munique, por comboio de Cracóvia até à fronteira com a Ucrânia e depois novamente por comboio (um comboio especial) da fronteira até Kiev, o que deu, em termos de ida e de vinda cerca de 1200 Km em carris, com uma agenda muito intensa, sempre a mudar por razões de segurança. A título de exemplo, só soubemos onde era a Conferência quando nos levaram lá, o que compreendo, tendo em conta a presença do presidente Zelensky.
MH – E em termos futuros, o que vai acontecer entre a Maia e a Ucrânia?
MNN – Iremos celebrar o protocolo que já referi e tentaremos criar condições para que as nossas empresas interessadas possam investir, sozinhas ou em parceria, no território ucraniano.
É preciso não esquecer que a Ucrânia, além da ajuda militar, tem recebido milhões e milhões de euros para serem usados nas obras de reconstrução. Não podem ser só os norte-americanos a aproveitarem essas oportunidades, os europeus e as suas empresas devem estar na linha da frente.


 
	
