Propaganda em farda: Entre fotografias e prioridades.
O primeiro-ministro que se mostrou atónico e perplexo com as críticas às imagens divulgadas na ação policial do Martim Moniz, é o mesmo Primeiro-Ministro que agora informa o país que “não gostou de ver” as imagens de imigrantes a serem revistados encostados a uma parede – numa espécie de reconhecimento implícito de que «pode-se-fazer-desde-que-não-sejam-tiradas-fotografias».
Por outro lado, o Primeiro-Ministro que deu a conhecer ter dado instruções diretas à equipa multiforças e às autoridades policiais para que tivessem uma presença mais visível e que realizassem mais operações [aliás já programadas] bem como, à distância de Bruxelas – e com a ligeireza de pensamento que o caracteriza, não hesitou na reação: “O Governo tinha esta prioridade e tinha dado essa orientação”, é o mesmo Primeiro-Ministro que vem agora rejeitar uma instrumentalização da polícia.
Por sua vez, o Primeiro-Ministro que refere que Portugal é um dos países mais seguros do mundo, consegue, no mesmo discurso, apontar o tema da perceção da insegurança como uma urgência que se prioriza ao caos que vivemos no SNS – com urgências pediátricas fechadas ou com a Linha SNS24 a encaminhar pais angustiados para serviços fechados, bem como se prioriza aos inúmeros alunos que no fim do primeiro período ainda não têm professores, ou até à Justiça que se encontra em paliativos. A caça às perceções supera-os a todos.
Parta tal, oferece-se suporte a uma operação policial onde se expõem centenas de pessoas (maioria emigrantes) encostadas a uma parede durante horas para ser apreendido uma arma branca, alguns documentos e detidos dois cidadãos portugueses.
A prevenção de crimes só se deve realizar em observância das leis, das regras gerais de polícia e em comunhão com respeito pela dignidade humana dos cidadãos. Resulta do exposto, a montante (pela atuação), e a jusante (pelo resultado pífio), que não estavam reunidas as exigências legais imperativas da necessidade, adequação e proporcionalidade para a realização da operação.
A polícia tem produzido diversa e relevante literatura sobre a prevenção criminal e a necessidade de uma polícia de proximidade, amiga e protetora do cidadão – que merecia que a boa teoria fosse igualmente uma prática eficiente no direito à segurança e dignidade.
Porém, talvez o mais assustador, é esta descarada e perigosa instrumentalização. A utilização da polícia para combater perceções e não factos, é o mesmo que usar a polícia como instrumento de propaganda política – um sofisticado spin doctor pago por todos, e não de segurança – como devia.
Este Governo faz acordos orçamentais com o PS, para poder dizer que não depende do CHEGA, e depois compete com o eleitorado do CHEGA nas questões socioculturais – precisamente aquelas em que era necessário preservar um centro vital baseado no humanismo – timbre dos partidos democratas.
Ivo Filipe de Almeida
Advogado;
Deputado na Assembleia Municipal de Almada