Picado Pelas Abelhas
Posso dizer que vivemos tempos estranhos, não porque a política se tenha tornado um ninho de corrupção de um dia para o outro, mas porque a percepção pública da classe política se degradou ao ponto de qualquer novo protagonista ser, à partida, apontado como possível oportunista, mentiroso e até ladrão. A música de Jorge Palma, “Picado Pelas Abelhas”, encaixa-se bem neste cenário: uma crítica mordaz ao sistema, às falsas revoluções e às promessas quebradas.
O exemplo mais recente, que faz eco deste desencanto, é o caso da empresa Spinumviva, que envolve o primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro. Foi tornada pública a avença mensal que a empresa Solverde, de apostas de jogo, tem com a empresa familiar do chefe do governo por prestação de serviços de consultadoria jurídica: cerca de 4.500 euros. Vários partidos com assento na assembleia municipal reagiram a esta notícia: a Iniciativa Liberal exigiu que Montenegro escolhesse entre a política e os negócios, enquanto o Chega pediu a sua demissão, alegando que existiriam tráfego de influências entre o primeiro ministro e os negócios que a empresa da sua família realizava. O que devia ser uma questão de transparência tornou-se, mais uma vez, num campo de batalha entre os que acreditam que “são todos iguais” e os que, ingenuamente ou não, ainda confiam na política como instrumento de mudança.
E este não é um caso isolado. A Operação Influencer revelou casos de corrupção e tráfico de influências relacionados com projetos como a concessão de uma mina de lítio em Montalegre e o projeto H2Sines, levando á então demissão do Primeiro-Ministro, António Costa.
Então, como podemos esperar que um jovem acredite na política quando os bastidores parecem revelar-se um jogo sujo, repleto de esquemas e interesses ocultos?
O problema não é apenas de quem governa, mas também de quem observa e constroi opinião. A desilusão generalizada cria um ciclo vicioso: acreditamos que todos são corruptos, deixamos de participar, e assim, apenas os piores sobem ao poder. É mais fácil atirar pedras do que construir escadas alternativas. E, no meio deste pessimismo, esquecemo-nos de que a política não é uma entidade abstrata – é feita por pessoas, e pode ser mudada por pessoas.
Como alguém de 16 anos, não vivi a revolução nem as crises políticas que se seguiram depois do 25 de Abril de 1974. Mas sei que o desconhecimento dessas histórias é um erro. Sem memória, estamos condenados a repetir os mesmos ciclos de desconfiança e desilusão.
Jorge Palma canta sobre um homem picado pelas abelhas, talvez um símbolo para aqueles que tentaram desafiar o sistema e acabaram queimados no processo. Talvez seja isso que nos falta: mais gente disposta a correr riscos para mudar as coisas, em vez de aceitar a resignação como única saída. Porque se há uma coisa pior do que políticos corruptos, é um povo que já nem acredita que pode fazer melhor.
Henrique Magalhães dos Santos
Estudante do Ensino Secundário e Apresentador do programa “Henrique, o Político”