Os voos no Estádio da Maia
No Estádio da Maia, entre o cheiro a maresia, oferta do vento norte, e o suor jovem dos atletas, há vultos que deslizam pelo ar. Andorinhas e morcegos habitam as alturas, partilhando o espaço com quem corre, salta e sonha. Elas, princesas do vento, desenham arabescos contra o azul. Eles, vampiros silenciosos, emergem quando o sol se põe, e se acendem os gigantes holofotes. Aí começa uma cegueira noturna, um bailado encadeado e acrobático, entre aves e mamíferos, guiado por ultra sons e estalinhos.
Maia, nome de deusa romana da primavera, nome de renascimento. Um estádio que é berço de asas e de músculos, onde o homem e o selvagem coexistem num pacto antigo, das praticas de caça paleolítica, aos jogos modernos do atletismo, faltam apenas as feras, presas e predadores. Práticas que
moldam o corpo e a mente à disciplina do esforço. Ao ocaso, os voos livres dos alados tomam o protagonismo, sentindo nas correntes de ar o eco dos aplausos que ainda vibram nas arquibancadas.
Na pista, os atletas desafiam os próprios limites, e voam como as andorinhas que os perseguem só por diversão, e que desaparecem e reaparecem no horizonte sem medo de se perder. Nos cantos sombreados, os morcegos vigiam, guardiões discretos de um templo que pertence tanto aos humanos quanto às criaturas que nunca deixaram de ser livres. O estádio é o seu ninho, e simultaneamente uma gigante armadilha para mosquitos que não conseguem vencer as bancadas e acabam encurralados no banquete.
Há algo de olímpico nesta harmonia, entre voo e vertigem, entre suor e brisa salgada. No Estádio da Maia, tudo se move, tudo se desafia, e tudo, no fim, parece ser erigido por uma força que supera o betão oval, um parergon que molda uma inexplicável vontade ou instinto de querer voar.
Ricardo Gomes
Maiato e professor universitário