Opinião: «A Justiça está a viver numa conversa de surdos».
De um lado, uma absurda dificuldade para os juristas se explicarem à comunidade, por forma a traduzir os princípios que garantem um Estado de Direito, e essencialmente, incapacidade de explicar as caóticas consequências da eventual inexistência destes. Por outro, temos a percepção pública, que carente de conhecimento técnico – que não se exige – recusa-se a compreender ou sequer a escutar, exaltando-se numa reatividade tão apressada como descontrolada, na ânsia de um justicialismo popular e inteiramente fulanizado.
Como partilhou John Donne, “nenhum homem é uma ilha (…)”, e hoje assistimos a uma indesejável permeabilidade dos Comentadores, Juristas, Procuradores, Juízes, e mesmo de decisores políticos, aos clamores populares mais arreigados. Certo é, que em honestidade ninguém poderá dizer hoje que tudo vai perfeito na Justiça em Portugal, porém, também não subscrevo a subversiva ideia de que a Justiça só estará perfeita, capaz e digna, quando refletir o resultado que a maioria aprova. Não. A Justiça não é um jogo de futebol que se possa alimentar de credos, protestos ou de petições públicas. Na Justiça, a bala de prata não é, nem deve ser, o propagado na mais fragmentária «comunicação do olho por olho», porque todos acabamos mesmo cegos.
Sob égide desta insurreta perceção pública, os nossos decisores procuram desesperadamente antibióticos de largo espectro – sem olhar a contraindicações ou posologia. Desta feita, lá surge a narrativa do excesso de garantias. Lá germinam os «perdigueiros» da delação premiada, os do enriquecimento injustificado, ou mesmo, da tentativa de se assumir que provas obtidas de forma ilegal, uma vez públicas, possam ser utilizadas. Pelo caminho do pânico – ansiosos de responder a um público cada vez mais exigente – as provas indirectas viajaram perversamente da exceção à regra. Já nem sempre se procura adequar a Justiça à normal metamorfose da sociedade, afinal, mais que matar o vírus, tenta-se maquilhar a doença.
O sistema de Justiça não carece de uma restruturação de cima a baixo. Por sua vez, muitos dos agentes da Justiça e decisores que a estruturam sim, carecem de coragem de baixo a cima.
Nunca na história, foi tamanho o descrédito das instituições da Justiça e isto, porque a Justiça está a viver numa conversa de dois surdos.
Opinião de Ivo Filipe de Almeida