Literacia Financeira na Disciplina de Cidadania
Opinião de José Passos Resende
Advogado
As mais novas alterações pretendidas pelo Governo para a disciplina de Cidadania propõem-se a restruturar o respetivo programa curricular e a própria forma como é lecionado. A disciplina existirá durante todo o percurso letivo dos estudantes (do 1.º ao 12.º ano), adaptando-se, ao longo dos vários anos, à idade e maturidade das crianças e jovens. Agora que os diplomas se encontram em Consulta Pública, cabe-nos a nós, enquanto cidadãs ativos e empenhados na construção da sociedade, apreciá-los.
Segundo a proposta do Governo, a Literacia Financeira será lecionada em todos os anos de escolaridade. Ao olhar a primeira página das aprendizagens essenciais dedicada ao 1.º ciclo deparamo-nos com o seguinte: “Compreender a importância da poupança e os seus objetivos” (o que é de louvar), seguido de “Diferenciar entre contrair empréstimos (…) e conceder empréstimos” e, ainda, de “Distinguir projeto quer, de planeamento, quer de plano de ação”. E aqui se tece a primeira crítica. De uma coisa podemos estar certos, o dia em que as crianças (até ao 4.º ano) aprendem estes temas deve ser, no mínimo, hilariante: de manhã, os países do mundo e a tabuada do 5; de tarde, taxas de esforço e créditos à habitação. Numa nota mais séria, penso que é relativamente claro que estes temas são, neste momento, prematuros. Percebe-se a urgência e a necessidade do Governo em dar importância a estas matérias – há muito que são aclamadas e exigidas por toda a comunidade escolar. Contudo, até ao 4.º ano, a criança está na idade de fazer disparates e brincar, não de aprender o que é um empréstimo ou como deve planear os seus investimentos. Expor a criança a estas matérias é descaracterizá-la e violar o desenvolvimento da sua personalidade enquanto ser criança.
Feito este reparo, entendo que a inclusão desta área é extremamente benéfica para os indivíduos e para a comunidade. É importante, para cada indivíduo, saber poupar, investir e avaliar riscos. Mas não é menos importante, para o Estado e respetiva economia, que esses investimentos sejam positivos e que os indivíduos desenvolvam projetos e ideias vencedoras.
Contudo, não posso deixar de apontar o dedo àquilo que creio ser a maior falha deste programa: em nenhum momento se refere qualquer tema relativo à fiscalidade, possivelmente o tema mais ansiado desta área. Desde noções básicas do funcionamento e fundamento do imposto (enquanto contribuição e não confisco) até à vida prática, como o preenchimento de uma declaração, a diferença entre rendimento bruto e líquido e a consciência da “fatia” de rendimentos que se entrega ao Estado. Para o Governo, parece, então, ser mais importante uma criança de 7 ou 8 anos saber contrair empréstimos, do que um jovem adulto perceber como e quanto irá pagar de impostos. Mais do que incoerente, parece-me financeiramente irresponsável.