«Hoje em dia só fazem sentido as freguesias rurais»
Aprovada a segunda Revisão do PDM da Maia é o tempo certo para entrevistarmos Mário Nuno Neves, vereador do Planeamento Territorial do Município, aproveitando para falar de outros assuntos, locais, nacionais e internacionais, com interesse para a vida política maiata.
MaiaHoje – Do ponto de vista do Pelouro do Planeamento Territorial, a aprovação do PDM, teve particular importância, o que tem a dizer sobre isso?
Mário Nuno Neves – O PDM é o mais importante instrumento de planeamento ao serviço do Ordenamento Territorial. Esta segunda revisão do PDM da Maia, transformou-o num Plano de segunda geração, o que aporta ao Município todas as garantias de candidatura a fundos europeus, que vão passar a exigir as condições de sustentabilidade que esta citada revisão incorporou no documento. Além do mais, este processo de revisão, foi pioneiro e inovador à escala nacional, estando a fazer escola, no que se refere à participação cívica que envolveu. Foram milhares, os cidadãos maiatos que participaram em sessões de trabalho para a elaboração do mesmo. É um PDM que não limitou a ser democrático no que se refere à sua aprovação, mas que verdadeiramente aprofundou a Democracia na sua própria construção. Mas este mandato, do ponto de vista do Planeamento não esgotou nessa importante e árdua tarefa, basta referir a elaboração e aprovação do Plano Estratégico do Parque Metropolitano, que consolidou e protegeu do ponto de vista do ordenamento uma importante parcela do nosso território, e a elaboração de vários Estudos de Referência que condicionam positivamente o desenvolvimento urbano e equilibrado de várias áreas do Município, pensando sempre como um todo, quer na ótica da qualidade de vida quer da sustentabilidade integrais.
MH – Neste mandato que está prestes a terminar, dizem que se notou um enorme desenvolvimento na política cultural do Concelho, concorda?
MNN – Desse ponto de vista, o presente mandato, consolidou a política cultural do Município da Maia, como referência à escala metropolitana e nacional, quer do ponto de vista da diversidade quer do ponto de vista da qualidade, como corolário de anos de investimento e apostas, algumas até bastante arriscadas, mas a maioria bem-sucedidas. Quando falo em diversidade não me refiro apenas às diferentes ofertas de produtos e serviços, mas também à totalidade dos públicos envolvidos, inter-geracionais e de elevada exigência e à permanente descentralização. Foi um mandato, também, em que se reforçou substancialmente, o apoio às Juntas de Freguesia, Coletividades, e Comissões Fabriqueiras, para o desenvolvimento das suas atividades culturais. No entanto seria injusto não referir que este desenvolvimento acompanhou as outras áreas da governação do Município. Obras Públicas, Urbanismo, Ambiente, Reforma Administrativa, aquisições de ativos importantes para o Concelho, entre outras, revelam e testemunham um progresso coletivo indiscutível e uma excelente governação municipal.
MH – Sente que a forma como desempenhou as suas funções de Vereador neste mandato correspondeu às suas expetativas?
MNN – Sim, sinto, e não há nenhum segredo ou particular genialidade na “coisa”. Tudo acontece naturalmente porque tenho a confiança do senhor Presidente da Câmara, líder desta mega-operação muito complexa que é o governo do Concelho, e dos meus colegas de Executivo. Tenho bastante experiência acumulada, o que me permite ter uma visão transversal da Instituição, da função e das múltiplas especificidades do nosso território, e porque enquadro excelentes equipas, quer na cultura, no planeamento territorial, na mobilidade e transportes, na polícia municipal e na proteção civil. São equipas de elevada competência, responsabilidade e entrega total à causa pública. Sem essas mulheres e homens, trabalhadores da Câmara Municipal da Maia, nada seria possível fazer-se, são elas e eles que têm mantido o Município da Maia na vanguarda do desenvolvimento e progresso.
MH – Como é hoje ser membro de um Executivo Municipal?
MNN – O exercício de governo municipal é cada vez mais complicado e isso deve-se a uma legislação cada vez mais complexa e castradora, muitas vezes contraditória, a uma excessiva desconfiança das entidades inspetivas que vivem presas a objetivos a cumprir e não a resultados concretos obter, em que o que interessa é o número de processos a abrir e não o sucesso dos mesmos, um excesso de entidades e organismos de tutela governamental que interferem e toldam a ação governativa municipal, e também a uma Assembleia da República cada vez mais alienada do que é o Poder Local e a sua importância social neste século XXI. Por outro lado, o processo de descentralização de competências assentou muito mais numa vontade de desresponsabilização da Administração Central em relação a áreas-chave do que de uma vontade da melhoria real da qualidade e abrangência dos serviços públicos prestados. Se o nosso Município tem sido capaz de enfrentar esses novos desafios, com evidente sucesso, há muitos outros no País que, por razões orçamentais e competências próprias detidas “in house”, não o conseguem fazer, o que é péssimo do ponto de vista da coesão nacional, mas no que a isto se refere, a culpa não assenta apenas nos órgãos de soberania implicados nessa mesma transferência de competências, a Associação Nacional de Municípios tem também muita culpa, sobretudo uma culpa por omissão. Por outro lado, e não menos importante, os trabalhadores da Administração Pública local são muito mal remunerados, sujeitos a quotas avaliativas injustas, com carreiras obsoletas o que também não ajuda.
MH – Como avalia a ação da Área Metropolitana do Porto, em que a Maia está inserida?
MNN – Eu considero o modelo legitimador das Áreas Metropolitanas completamente ultrapassado. Os órgãos das Áreas Metropolitanas, deveriam, à semelhança dos órgãos autárquicos municipais, serem eleitos diretamente pela população, em listas partidárias ou independentes, com competências claras, programas e orçamentos específicos. O atual modelo é um modelo que é, em si mesmo, uma entorse, que encerra mesmo diversas disfuncionalidades, demasiado permeáveis às lutas partidárias e intrapartidárias, agravadas quando o município liderante é egoísta e está transformado numa espécie de Disneylândia para turistas, sem a mínima noção do que é liderar, só participando na “coisa metropolitana” quando lhe interessa, desligando-se da mesma quando não lhe interessa, tomado decisões individuais que afetam todos os demais municípios, sobretudo os seus vizinhos, sem “dar cavaco ou porquês”.
MH – Sabe-se que nunca foi Regionalista, mas como vê esse processo?
MNN – Eu sou sobretudo “Municipalista”, cultor da velha tradição medieval portuguesa, herdeira da civilização romana-gótica e muito pouco regionalista. Eu não considero que as assimetrias portuguesas resultam das diferenças entre o norte e o sul, mas sim das que se verificam entre o litoral e o interior. No entanto, a Regionalização está prevista na Constituição da República e deve, portanto, concretizar-se. Espero é que não se concretize sem antes se proceder a uma revisão da Lei Eleitoral, em que o método de conversão de votos em mandatos, não assente apenas em critérios quantitativos, já que se assim for, os Municípios do interior, menos populosos, verão a sua situação agravada perante os Municípios mais poderosos que farão parte das Regiões que venham a integrar, sem que o chamado “Terreiro do Paço” lhes possa acudir. As verdadeiras reformas são aquelas que são feitas com conhecimento profundo dos contextos, em que o contexto histórico é dos mais importantes.
MH – O que acha deste processo de desagregação de Freguesias?
MNN – Penso que resulta da forma atabalhoada como decorreu o processo de agregação. Foi feito depressa demais e devia ter obrigado a referendos locais prévios, em que as populações envolvidas fossem diretamente auscultadas. Por outro lado, nunca me pareceu muito lógico proceder-se a uma alteração do mapa das freguesias sem uma prévia alteração do mapa dos municípios e não “compro” a versão que a “culpa foi da Troika”. A culpa foi da ânsia de apresentar serviço de qualquer maneira e fazer as coisas “em cima do joelho”. Note-se que eu até sou muito radical nisto, já que considero que hoje em dia só fazem sentido as freguesias rurais, mas esta visão não me impede de achar que em muitas situações as pessoas têm razão em não estarem satisfeitas com a forma como a agregação aconteceu, sobretudo nas situações em que se optou pela extinção e não pela agregação.
MH – Como vê a escolha do Partido Socialista para candidato a Presidente da Câmara Municipal da Maia, o socialista, actual Presidente da Câmara Municipal de Valongo?
MNN – Acho lamentável a dois níveis. O primeiro, enquanto maiato. Enquanto maiato acho espantoso que um partido com a importância social do PS não consiga encontrar um militante ou simpatizante, natural ou residente no nosso Município, capaz de assumir uma candidatura digna à Câmara Municipal. Considero isso uma confissão evidente de incapacidade política de mobilização. O segundo, enquanto autarca. Enquanto autarca acho pouco digna esta espécie de profissionalização de candidato a presidente de Câmara, seja ela qual for, mesmo que não haja vínculos de naturalidade ou residência longa, só porque se atingiu o limite de mandatos noutro concelho qualquer. É legal, mas do ponto de vista ético considero uma “marcenarização” da função, e penso o mesmo quanto a socialistas, sociais-democratas, comunistas, etc. Neste caso específico, e comparando todos os índices de desenvolvimento entre o Município da Maia e o Município de Valongo, concelho onde o referido candidato foi presidente de câmara 12 anos, os maiatos, incluindo os socialistas, se devem interrogar se pretendem ir de cavalo para burro. É o mesmo que por um piloto de karting a querer conduzir um Fórmula 1. Note-se, que pessoalmente nada tenho contra a pessoa em causa, que conheço vagamente e que me dizem ser muito simpático, mas politicamente acho que é mais um exemplo da banalização e degradação do exercício de determinadas funções públicas. Para se ser Presidente da Câmara tem que se sentir, amar e conhecer o concelho, é uma função muito específica que vive da proximidade com as pessoas. A proximidade constrói-se na convivência na longa duração e não em giros pelas feiras em campanha eleitoral.
MH -Qual a sua opinião sobre a saída do Dr. Paulo Ramalho do Executivo maiato para ir assumir a vice-presidência para a Agricultura e Pescas da CCDR-N?
MNN – Embora eu considero que os mandatos devem ser cumpridos até ao fim, penso que o Dr. Paulo Ramalho é talhado para essa função, já que tem muita experiência nas questões ligadas, sobretudo, à Agricultura, tendo, pois, todas as condições para fazer um bom trabalho nesse sector tão importante para a economia nacional. Estou mesmo convencido que, nesse sector, se notará, no Norte do nosso País, um enorme salto qualitativo. Além do mais, o Dr. Paulo Ramalho, tem todo o direito de seguir uma carreira política desvinculada da Maia, pondo os seus talentos ao serviço de outras esferas e horizontes. Já o fez anteriormente quando exerceu as funções de Deputado à Assembleia da República, e portanto, esta ida para a CCDR insere-se nessa opção pessoal e legítima que fez.
MH – Como avalia a ação do Governo?
MNN – Avalio positivamente, muito especialmente o Primeiro-ministro. O Dr. Luís Montenegro tem, efetivamente, governado. Isso não significa concordância total com as medidas políticas já tomadas, sobretudo ao nível da Saúde e do Ordenamento Territorial, mas de uma forma geral penso que o governo do País está bem entregue. O Primeiro-ministro tem convicções e age coerentemente com as mesmas, o que é uma raridade.
MH – Como avalia a ação do líder da oposição?
MNN – Desde que assisti à conferência de impressa que o Dr. Pedro Nuno Santos fez sobre a trapalhada em que se meteu por causa do novo aeroporto de Lisboa, aquela espécie de “perdoa-me” fiquei com uma opinião muito negativa que ainda não mudei.
MH – E como avalia a ação do Presidente da República?
MNN – Avalio negativamente, quer quanto ao estilo, quer quanto à substância. Quanto ao estilo, o atual Presidente da República é um frenético comentador de tudo e mais alguma coisa, estando constantemente a fazer o que se chama “ruído político”. Quanto à substância, tendo em conta algumas decisões que tomou, mediante a interpretação que faz da Lei Fundamental, dá a sensação que não conhece a Constituição da República e o funcionamento do Sistema Político de Governo, o que é péssimo.
MH- Apelando aos seus conhecimentos na área da Ciência Política e das Relações Internacionais, que análise faz do status quo do mundo?
MNN – Faço uma análise muito pessimista. As lideranças à escala planetárias são cada vez mais fracas e isso reflete-se nos processos de tomadas de decisão e no descontentamento das populações, abrindo espaço a todas retóricas demagógicas e extremistas, quer à direita quer a esquerda. A erosão das classes médias, quer na Europa quer nos Estados Unidos da América, por más governações, funciona como combustível de uma revolta social, aproveitada por movimentos anti-democráticos que aproveitam as regras da própria Democracia para a subverterem, levando a uma espécie de alienação coletiva de resultados imprevisíveis. Penso que o fenómeno de degradação democrática ainda “vai no adro”, que se vai agravar muito com a nova eleição de Donald Trump e com a crescente interferência da extrema-direita nos mais importantes órgãos de soberania dentro da própria União Europeia, uma interferência muito estimulada pelas agendas “wokistas” de uma esquerda que anda perdida numa série de devaneios e de uma direita democrática que vive cheia de medo em se afirmar.