História- Para que a água da vida corra limpa

História- Para que a água da vida corra limpa

Existe na sociedade portuguesa alguma resistência em falar-se dos momentos negros da história, como se estes servissem – por mimetismo – de agentes provocadores. Instigadores para a sua repetição. Assim, as possíveis representações físicas desses espaços de memória têm sido alvo de inúmeras polémicas. Recordo-me em 2023 quando era anunciada a abertura da primeira fase do Centro Interpretativo do Estado Novo, e agora, o Museu da Resistência e da Liberdade, em Peniche.

A democracia não deve ter palavras ou temas interditos, sendo que pode [e deve] oferecer-nos visões abertas da história. Essas visões, por sua vez, não têm [nem devem] de ser um branqueamento ou normalização de tempos ou pessoas que representaram o pior que vivemos. A ausência de Democracia.

A história, mesmo que hedionda – e assim foi em muitos casos – não insulta, mas relembra. A história não humilha, mas ensina. Recorda-nos dos sucessos – para nos orgulharmos deles – mas também nos alerta dos erros do passado, para que os possamos lamentar e essencialmente evitar com mais ou menos semelhanças no futuro.

No fundo, a história é ferramenta de aprendizagem por excelência. Ela existe aliás, para não nos tornarmos «apátridas do tempo».

Prefiro acreditar que o facto de eu puder dar a conhecer à minha filha o “Olga”, “O Pianista”, “Noite e neblina”, “O rapaz do pijama às riscas”, “Diário de Anne Frank”, “A vida é bela” – fará mais pela sua consciência do terror que foi o holocausto, do que o perpetuado vazio que a censura do tabu lhe traria.

Do mesmo modo, “À espera de um milagre”, “Doze anos de escravidão”, “Histórias cruzadas”, ou “Hotel Ruanda”, produzirão mais blindagem e consciência coletiva sobre o que foi a escravidão, o racismo e o egoísmo, do que o seu desconhecimento.

Mulheres, raça e classe”, “Olhares negros”, e “Encarceramento em massa” permitem interiorizar o quanto a humanidade foi e pode ser dantesca – prevenindo-nos e mantendo-nos alerta.

Em Auschwitz-Birkenau permite-nos, de olhos ligados ao cérebro, ler Arbeit macht frei e delimitar com profundidade a vergonha humana. Recordar, sentir e viver. Para saber não repetir.

Crescer com mais história, mais informação – munidos de consciência crítica – são anticorpos certeiros para os discursos mais oportunistas.  Por sua vez, crescer sem memória é crescer afastado e inconsciente. Esse sim, é terreno fértil para a repetição dos atos preparatórios dos erros – mascarados de ar fresco.

A história não é um incentivo à repetição, mas um travão da sua repetição. Uma lição. A história não se derruba ou apaga, pois faz parte do conhecimento.

E só ele nos salva.

Opinião de Ivo Almeida

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