Festa é Festa – Nossa Senhora do Bom Despacho

Festa é Festa – Nossa Senhora do Bom Despacho

Pelo segundo ano consecutivo e devido a esta pandemia que teima em não nos deixar, que as Festas de Nossa Senhora do Bom Despacho não se irão realizar da maneira como as conhecemos. Assim, as inúmeras iniciativas que durante duas semanas se realizam na zona central do concelho e têm o ponto alto no domingo com a majestosa Procissão não voltarão a ter lugar em 2021.

Por isso, mais do que nunca, faz sentido evocar e descrever a história das Festas de Nossa Senhora do Bom Despacho ao longo do tempo, este acontecimento faz parte da história do território, do povo da Maia, da sua gente. Pelo menos desde o séc. XVII, que sabemos da devoção a Nossa Senhora do Bom Despacho através de documentos escritos e relatos. A Festa cresceu e transformou-se num momento marcante, sendo atualmente um símbolo cultural, económico e religioso do universo concelhio maiato. Esperemos que em 2022 voltemos a ter um Bom Despacho “à maneira”. Bem precisamos.

Uma tradição de alguns séculos

Segundo os estatutos da Confraria do Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora do Bom Despacho e das Almas, editados em 1944, a origem desta confraria deveria remontar “a mais de 400 anos, pois foi erigida de novo a 31 de Julho de 1730 pelo Reverendo Pároco Luís de Oliveira Alvim, frisando-se em acta daqueles tempos que a Confraria do Bom Despacho já existia há mais de 150 anos”. O Padre Alvim descreve o ambiente de grande festa e animação, bem como a minuciosa preparação da procissão, indício de que este culto seria muito anterior à data devido à importância que lhe era concedida. O actual pároco Domingos Jorge do Aido refere que viriam “gentes provenientes de Espinho à Póvoa de Varzim, do litoral ao Marão. Gentes do mar e do campo que nesse dia faziam a sua grande romaria”, conforme uma narração da Procissão de 1735, presente num arquivo da paróquia.

Em 1952,  Álvaro do Céu Oliveira referia no Almanaque da Maia  que “acorriam naquela altura milhares de pessoas, particularmente poveiros, para agradecer e invocar a protecção de Nossa Senhora do Bom Despacho”. Descreve ainda o ambiente festivo promovido pela presença popular acompanhada de dança, pelos concertos de conceituadas bandas do Norte do país e as várias barracas de diversões que se distribuíam nas zonas circundantes da Igreja Matriz e nas sombras das árvores da Quinta da Boavista, mais conhecida por “Quinta do Gramaxo”.

Por esta altura, também se organizava uma Feira de gado que reunia os melhores espécimes de animais e os mais afamados criadores da Maia e concelhos vizinhos. Este espaço ficava onde hoje se encontram as Pirâmides e o parque da Feira municipal, onde entre 2013 e 2019 se realizou a mostra agrícola da Cooperativa Agrícola da Maia, uma iniciativa onde associados da Cooperativa têm a oportunidade de mostrar aquilo que produzem e uma das provas que a agro-pecuária está bem viva no concelho.

A monumentalidade

Ao lermos um texto da Paróquia da Maia, percebemos que antes de ser erigida a Igreja Matriz tal como hoje a conhecemos, terá existido “um outro templo que a avaliar pelas descrições feitas nos reconhecimentos da Baliagem de 1642 e 1711, devia ser de traça romântica. Em 1736, este templo, foi demolido para dar lugar ao novo Santuário”. Datado de 1738, apresenta uma planta típica da Contra-Reforma, constituída por uma só nave que termina numa Capela-Mor quadrangular. Cobrem-na falsas abóbodas de berço em madeira. O Altar possui um exemplar de talha dourada notável e, no topo deste, é de realçar a Cruz de Malta. No Corpo do Santuário é de salientar um formoso vitral de N.ª S.ª do Bom Despacho. Na Capela-Mor encontra-se a sepultura do Padre Vicente Gramaxo que cedeu o terreno, e na entrada frontal do Santuário a sepultura de Domingos Luís Barreiro Tomé, do lugar de Recamunde, emigrante na Baía-Brasil, que financiou a construção do mesmo em mercê da “cura dum terrivel mal da vista” que ele obteve pela intercessão de Nossa Senhora do Bom despacho.

A Torre é posterior datando de 1870. Através da ajuda dos beneméritos “brasileiros” foram introduzidos acrescentos. Em 1876 inaugurava-se o sino grande, e em 1891, dois outros seriam oferecidos por José da Silva Figueira, o Visconde de Barreiros. Em meados do séc. XX foi novamente sujeito a remodelações. No biénio 1996-97 realizaram-se profundas obras de restauro que procuraram restabelecer a beleza da talha barroca, respeitando os princípios estéticos da época, a que se acrescentaram os vitrais para todas as janelas, vitrais de grande valor artístico, de autoria de Zita Magalhães.

A dupla coroação

A 17 de novembro de 1946, o clero do concelho, em colaboração com a Câmara Municipal, realizou a festa de Coroação de Nossa Senhora e a consagração ao Imaculado Coração de Maria. Tomou a palavra o filho da terra, Reverendo Manuel Joaquim Ferreira da Costa Maia, pároco de Árvore, que exaltou o amor do povo da Maia a Nossa Senhora do Bom Despacho e da devoção do povo português à excelsa rainha de Portugal. Depois interviu o vice-presidente da Câmara, Alberto Campos da Costa Maia, proferindo solenes palavras: Desde hoje em diante sereis irrevogavelmente Rainha e Padroeira deste povo crente e trabalhador”.

Passados quase 50 anos, em 25 de Março de 2003, por Decreto Episcopal do Bispo do porto, D. Armindo Lopes Coelho, foi declarado Santuário Mariano. Neste Santuário venera-se Nossa Senhora do Bom Despacho, coroada como Padroeira de todo o Concelho da Maia, no dia 13 de Julho de 2003, pelo então Bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, sendo a Coroa uma oferta do Sr. Presidente da Câmara, Eng. Bragança Fernandes, dando cumprimento à promessa do Prof. Vieira de Carvalho.

Um marco para realizações

Na actualidade, as Festas da Maia representam o ponto alto das celebrações do Concelho, aliás, diversas vezes, as Festas do Bom Despacho foram “aproveitadas” para inaugurações. Voltemos um século atrás.

Num sábado, em 11-7-1903, ainda em período monárquico, os recém transferidos e novos Paços do Concelho foram inaugurados com toda a solenidade que o acto merecia. Como conta Álvaro do Céu Oliveira, nos Temas Maiatos nº 4, “…a Câmara engalanada com vistosos mastros, de onde pendiam bandeiras multicores e plintos encimados com bojudos vasos que suportavam verdejantes arbustos, a Alameda e a artéria a que hoje chamamos Avenida Visconde Barreiros”. Ao som de duas filarmónicas (deduz-se a Banda de Moreira e Gueifães) que tocavam alternadamente, acompanhadas pelo barulho dos foguetes, o dia foi de festa. O pároco da Vila de Barreiros, Francisco José Pilrão procedeu à bênção das instalações acompanhado pelos vereadores da Câmara e o Presidente da Câmara, Padre Tavares Borges. A alegria transbordou quando o Secretário José António Pereira e Silva içou a bandeira do Concelho na varanda da Câmara Municipal.

Em 1956 é criado por intervenção directa do Dr. Carlos Pires Felgueiras, o feriado concelhio, que calhou a 9 de Julho, conhecido pelo “Dia das Inaugurações”. Uma dessas inaugurações foi a Escola Primária de Ferreiró, em Santa Maria de Avioso, com a presença do Sub-Secretário de Estado, construída nos terrenos circundantes da Capela do Sr. da Agonia pelos beneméritos António e Aloísio Sá Leite.

Anos mais tarde, a 12-7-1963, procedeu-se à inauguração do Mercado Municipal do Câstelo (agora com o nome Coronel Carlos Moreira) e teve a presença do Ministro das Obras Públicas, Eng. Eduardo Arantes e Oliveira.

Em 1971, a 10 de julho, foi inaugurada a ampliação do Posto Hospitalar e procedeu-se à inauguração do Bairro de Oliveira Braga, no lugar do Outeiro.

A 12-7-1982 são inaugurados os novos Paços do Concelho, num processo iniciado pelo Dr. Vieira de Carvalho em 1970, numa cerimónia que contou com o Ministro da Administração Interna, o Eng. Ângelo Correia.

Já o dia 9-7-1984 teve três inaugurações: a Estátua Equestre de Gonçalo Mendes da Maia – o Lidador – na Praça do Município, da autoria do escultor Lima de Carvalho; o antigo Parque Municipal, onde hoje se encontra o Parque Central e o Tribunal do Trabalho, no antigo edifício da Quinta do Visconde.

O Monumento à Comunidade Maiata foi inaugurado a 16-7-1988, uma obra mais conhecida como as “Pirâmides da Maia”. Este trabalho tem autoria do escultor Zulmiro de Carvalho e do arquitecto Luís Filipe Figueiredo.

Já em 9-7-2001, é inaugurada a Torre do Lidador, edifício marcante na paisagem e arrojo do desenho. No hall de entrada constam seis painéis sobre a Terra e as Gentes da Maia, desenhados pelo Mestre Lima de Freitas e concretizados em bronze pelo escultor Jorge Coelho. Este dia também foi de entrega de galardões municipais a várias personalidades do concelho.

A animação musical

Se nos últimos anos fomos habituados a sermos presenteados com a presença de nomes conhecidos da Música nacional, nem sempre foi assim.

Em 1952,  Álvaro do Céu Oliveira referia no Almanaque da Maia o ambiente festivo promovido pela presença popular acompanhada de dança, pelos concertos de conceituadas bandas do Norte do país e as várias barracas de diversões que se distribuíam nas zonas circundantes da Igreja Matriz e nas sombras das árvores da Quinta da Boavista, mais conhecida por “Quinta do Gramaxo”. Nesses anos, os cantares ao desafio e os ranchos folclóricos eram obrigatórios para divertir os romeiros.

Nos anos 70, a animação estava a cargo das bandas do concelho – Moreira e Marcial de Gueifães, conjuntos Juvenis, conjuntos Típicos, ranchos folclóricos nacionais e internacionais e os Zés Pereiras.

Com a entrada nos anos 80, os organizadores das Festas passaram a dar primazia a artistas mais conhecidos do público, numa perspectiva de dimensão nacional, acabando por atrair um maior número de visitantes. Até em 1983, teve lugar uma noite de festa dedicada ao Emigrante Maiato. Ao longo da década, por cá passaram nomes como: Rodrigo, Alexandra, Carlos Vidal, Cândida Branca Flor, Trio Odemira, Carlos do Carmo, Xeque Mate, UHF, Heróis do Mar, Xutos e Pontapés, Sergio e Madi, Albatroz, Andrómeda, Xutos e Pontapés, António Sala, Raúl Ouro Negro, Cidália Moreira, Peste e Sida, Escola de Jazz do Porto (com o desconhecido Pedro Abrunhosa) e outros.

Nos anos 90, o desfile de ilustres musicais continuou: Roberto Leal, Manuela Bravo, Ana Malhoa, Bramassaji, Carlos Guilherme, Ágata, Fernando Correia Marques, Zézé Fernandes, Santos e Pecadores, Fados de Coimbra, Sitiados, Bonga.

Já no XXI, nestes vinte anos, pisaram os palcos da Maia mais gente conhecida: GNR, Tony Carreira, Marco Paulo, Quinta do Bill, Conjunto António Mafra, José Alberto Reis, João Pedro Pais, Fado em Si Bemol, Emanuel, Mickael Carreira, Irmãos Verdades, Clã, José Cid, Paulo Gonzo, José Malhoa, Azeitonas, Pedro Abrunhosa e Comité Caviar, Deolinda, Zé Amaro, Per7ume, Berg, Piruka, Calema, Expensive Soul, Carminho, Jimmy P, Bezegol, Gisela João, Anselmo Ralph e David Carreira.

Rui Teles de Menezes
Historiador e Técnico Superior de História da CM Maia

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