Envelhecer como Dorian Gray e não como Struldburg
Vimos que o número de centenários cresceu muito nas últimas décadas e que esta tendência irá continuar nos próximos anos. A expectativa média de vida também aumentou significativamente, duplicando nos últimos dois séculos em todo o mundo. Na Europa, desde o início do século XX até os dias atuais, esse aumento foi de aproximadamente 30 anos.
Este efeito foi devido à diminuição da mortalidade infantil e ao tratamento das doenças do adulto. No início do século, cerca de 18% dos bebés morriam no primeiro ano de vida. Hoje, essa taxa só é atingida aos 60 anos. No entanto, a expectativa de vida aumentou sem melhoria correspondente na qualidade de vida, resultando em muitos anos vividos em condições de saúde muito precárias.
Estaremos nós a transformar a nossa população de idosos em pessoas sem saúde e desamparadas? No romance satírico de Jonathan Swift “As Viagens de Gulliver” o autor descreve uma classe de pessoas imaginárias (Struldburg) que são imortais, mas vivem em más condições de saúde e dependem do Estado. Será possível, ao mesmo tempo, promover a saúde e a longevidade?
Retardar ou reverter o envelhecimento pode vir a ser uma realidade dentro de algumas décadas, mas promover o envelhecimento saudável está perfeitamente ao nosso alcance. O artigo “The economic value of targeting aging” conclui que focar na prevenção e na qualidade de vida dos idosos gera maiores benefícios económicos do que apenas tratar doenças. É essencial repensar os sistemas de previdência social e saúde para priorizar o envelhecimento saudável, pois prolongar a vida sem saúde acarreta um peso social insustentável.
O que fazer? Em primeiro lugar combater o ageismo na saúde (discriminação negativa da pessoa idosa). Ainda existe a crença de que não vale a pena prevenir doenças em pacientes idosos, tanto entre a população quanto entre profissionais da saúde. É claro que em situações críticas, preocupamo-nos sempre muito em fornecer os melhores cuidados possíveis. E quanto à prevenção?
Vou retomar o exemplo da prevenção cardiovascular, por ser esta a causa mais destacada de morbilidade e mortalidade após os 70 e, especialmente, após os 85 anos. Quase todos os idosos apresentam um risco muito elevado de AVC ou enfarte, independentemente do género, hábitos como fumar e dieta, ter ou não hipertensão arterial ou níveis de colesterol elevados (*). Portanto, quase todos necessitam de prevenção e/ou tratamento. A prevenção é, agora mais do que nunca, essencial para os individuos idosos envelhecerem bem.
Em breve, abordaremos a prevenção de outras doenças e trataremos a idade como um fator de risco eventualmente modificável.
(*) https://www.mdcalc.com/calc/10503/score2-older-persons-score2-op
Sugestão: ver vídeo https://www.youtube.com/watch?v=DEm-W9z2QDQ&t=5s
Prof. Dr. Ovídio Costa.
Cardiologista.
Professor jubilado da FMUP.