Como a União Europeia influencia a saúde dos portugueses?
Provavelmente a saúde será um tema em debate entre os candidatos ao parlamento europeu, mas tendencialmente focado em Portugal. A questão é compreender que paradoxalmente a saúde é muito mais influenciada pelas decisões tomadas em Bruxelas.
A saúde é um bem público que vai muito além dos cuidados de saúde prestados no Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou demais serviços de saúde do setor privado. Na realidade, as condições de vida, de trabalho, de habitação e de rendimentos têm um impacto muito maior na qualidade de saúde que temos ao longo da vida. Cada vez mais é reconhecido este efeito, em que políticas laborais, climáticas e ambientais, assim como a política de redistribuição de rendimentos, são fundamentais na influência das decisões e estilos de vida. A manutenção da saúde através de cuidados de saúde ocupa, assim, apenas uma pequena parte.
De qualquer forma, a maior parte dos fatores que afetam a saúde dos portugueses são influenciadas por políticas definidas na União Europeia (UE). Numa altura em que os partidos debatem as suas ideias e os cidadãos serão chamados a exercer o seu direito de voto, vale a pena compreender de que forma estas acontecem. Neste caso, irei focar-me essencialmente em três vias que afetam as políticas de saúde em Portugal.
Em primeiro lugar, a política de saúde explícita é uma competência exclusiva dos estados-membros, bem definido no Tratado do Funcionamento da União Europeia e, por isso, é da responsabilidade do Governo Português alocar os recursos necessários ao SNS, de acordo com as necessidades de saúde. Ainda assim, há áreas de competência partilhada como a área do medicamento e outros produtos de saúde, através da regulação do acesso ao mercado por via da Agência Europeia do Medicamento, do qual faz parte o INFARMED, ou como a diretiva europeia que vincula o reconhecimento de qualificações profissionais, incluindo os profissionais de saúde. Apesar do cumprimento de critérios adicionais (e.g. conhecimentos da língua nacional), os profissionais de saúde podem trabalhar noutro estado membro, sendo reconhecido o seu diploma profissional. As consequências nesta área são evidentes, considerando os debates sobre a saída de profissionais do SNS para o estrangeiro.
Por outro lado, a nível da saúde pública, existem algumas competências partilhadas. Por um lado, na avaliação e gestão do risco perante ameaças que são transfronteiriças e que, por isso, a escala nacional não é suficiente na garantia e salvaguarda da proteção da saúde dos cidadãos. O caso mais recente da pandemia pela COVID-19 tornou evidente esta necessidade de coordenação a nível da UE. Por outro lado, a regulação do acesso e disponibilidade de produtos com potencial nocivo para a saúde, como seja o tabaco, o álcool ou alimentos ultraprocessados, são também alvo de regulamentação por parte da União Europeia que, quando transpostos em políticas após resistência de interesses corporativos e da legislação do mercado único, têm um retorno substancial para a qualidade de vida da população portuguesa.
A segunda face relaciona-se com o controlo e monitorização da política fiscal dos países, pela UE, através das regras de controlo da dívida e do défice das finanças públicas, no âmbito da União Monetária Europeia, e no seio do quadro do Semestre Europeu. Com a entrada em vigor da reforma do quadro de governação económica, em que Portugal apesar de já não estar entre os países com maior dívida em percentagem do PIB e ter, desde 2017, deixado de estar sob alçada do procedimento de dívida excessiva, tem ainda que cumprir regras orçamentais apertadas para atingir um valor de dívida inferior a 60% e um défice inferior a 3% do PIB. Na prática, e mesmo perante as cláusulas excecionais, a despesa pública a médio prazo terá de ser controlada, diminuindo o espaço fiscal para continuar a alocar verbas significativas ao setor da saúde (mesmo em comparação com outros setores do estado social). Estas regras fiscais têm, assim, um impacto indireto muito maior na forma como a saúde dos portugueses é preservada.
A terceira face relaciona-se com o desenvolvimento do mercado único europeu e as respetivas políticas regulatórias que caracterizam a economia de mercado social pelo qual se rege os estados-membros, Portugal incluído. Incluem-se as políticas vinculativas de proteção laboral que têm sido adotadas no âmbito das condições de segurança e saúde no trabalho e mais recentemente do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A diretiva sobre negociação coletiva, salário mínimo e profissionais de plataformas digitais são exemplos de medidas que asseguram o cumprimento dos direitos dos trabalhadores, garantido que têm acesso aos melhores níveis remuneratórios e reconhecidos os seus direitos de segurança social, por exemplo. Sem estes, os riscos sociais seriam maiores e, assim, maior probabilidade de acidentes profissionais ou doença, sem as coberturas necessárias. Por outro lado, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, as esperadas melhorias na qualidade do ar e, eventualmente, a diminuição dos fenómenos climatéricos extremos ou, quando presentes, a existência de capacidade de reparação dos danos causados, são formas de proteção da saúde dos cidadãos tanto física como mental.
A saúde é um bem constitucionalmente definido em Portugal e nos tratados da UE, pelo que deve ser protegido e garantido a todos os cidadãos. Os mecanismos legais e governativos pelos quais a saúde é influenciada, apesar de à primeira vista parecerem ser apenas nacionais, são na realidade sobretudo europeus. Este facto reforça, mais uma vez a importância das eleições europeias, e a forma como os deputados candidatos e eventualmente eleitos irão no seu mandato proteger este valor fundamental, nas suas várias vertentes.
João Paulo Magalhães
Médico de saúde pública e doutorando na área das políticas europeias