António Bacelar, novo pároco da Maia
António José Rodrigues Bacelar é o novo Pároco da Maia. De Roma para terras do Lidador, este minhoto de 62 anos, guia os católicos, apostólicos, romanos, nesta época tão significativa para todos os cristãos.
Maia Hoje (MH): Resumidamente, conte-nos como foi o seu percurso até à Paróquia da Maia?
António Bacelar (AB): Sou minhoto, sou originário de Paredes de Coura onde nasci e onde tenho todas as minhas raízes. Cresci sempre pelo Porto e frequentei os seminários. Durante o seminário maior tive um primeiro tempo em Itália, no Centro Internacional do Movimento dos Focolares. Depois fui ordenado em 1986 e fiz um percurso normal em diversos serviços, desde o Paço até à Paróquia de Ovar. O período mais longo e também o que mais me marcou foi desde 1989, dos 26 anos que estive na Pastoral Universitária, com um ano sabático pelo meio e acumulando a uma certa altura também com a Paróquia das Antas, entre 2003 e 2011.
Em 2011, juntamente com a Pastoral Universitária, assumi a Pastoral da Juventude e em 2014, com prévia autorização de D. António Francisco e contra todas as minhas previsões, fui eleito para o Movimento dos Focolares em todo o mundo e isso fez-me ir para Itália, onde entrei em funções. Apesar de ter perdoado os colegas que me elegeram nessa primeira eleição, eles voltaram a repetir, com autorização de D. Manuel Linda, e fui eleito de novo para um segundo mandato, mas pedi para fazer só metade e é por isso que fiz estes últimos seis anos em Itália, neste serviço, que me levou a todo o mundo e ao serviço de tantos em todo o mundo.
O regresso à Diocese estava mais do que previsto e como é característico de todos nós e como é a nossa escolha de vida, manifestei a disponibilidade a D. Manuel Linda para qualquer serviço, dizendo ter uma preferência, a de poder ser pároco possivelmente a tempo inteiro. Ele convidou-me a vir para a Maia e claro que aceitei. Estou aqui com muita alegria, como estaria em qualquer outra das 477 paróquias da Diocese.
MH: Esteve cerca de oito anos em Roma, o que significa para si estar próximo da Santa Sé?
AB: A proximidade era relativa. Do ponto de vista laboral não é um trabalho dentro da Santa Sé. É certamente um movimento que cresce no seio da Igreja, que vai como toda a Igreja para além das suas fronteiras. Muito ligado, certamente, aos organismos da Santa Sé. Estive em Rocca di Papa, trabalhando em autonomia em relação à Santa Sé. É claro que não nego a proximidade com a Santa Sé e é uma grande graça. É a graça de viver um coração pulsante da Igreja, onde se alargam horizontes quer a nível do conhecimento, das experiências e daquele que é o pulsar da Igreja em todo o mundo e que pude sobretudo experimentar nas viagens que fiz, principalmente em três dos quatro continentes fora da Europa.
MH: Voltando ao assunto da Paróquia da Maia…tivemos oportunidade de falar consigo antes da sua apresentação, que decorreu no dia 19 de novembro, mas agora quero perguntar-lhe como foi a sensação de ser recebido com tanto amor por todos os maiatos?
AB: Costumo dizer que foi uma carícia do Pai Eterno através dos maiatos e das maiatas, que continuo a usufruir. Vou dizendo que espero não me estragar com o mimo, como às vezes dizemos às crianças. Acolho e reconheço como uma expressão desse amor imenso de Deus, que é o que move as nossas vidas, a minha vida e o que me leva a querer dar a vida por este povo, pelo tempo que Deus quiser. Foi também um ponto de encontro com algumas pessoas, sobretudo do âmbito da Pastoral Universitária, algumas das quais não via há mais de 10 anos e que quiseram também marcar a sua presença e onde senti também o acolhimento do povo da Maia e de toda essa gente. Somos uma única família, mesmo alguns que vieram de mais longe e quiseram marcar a presença no domingo com grandes surpresas de muitos reencontros, mas que é assim mesmo. Aquilo que tece os laços mais profundos de uma família, nem os quilómetros nem o tempo os destroem e foi confirmar tudo isso.
MH: Que planos ou medidas pretende implementar na Paróquia da Maia?
AB: O primeiro plano é entrar em bicos de pés e ser ouvinte. Escutar, conhecer para melhor amar. O único aviso que fiz no primeiro dia, era que tudo se mantinha porque não há soluções de rotura, não há ocupações de espaços. O Padre Domingos Jorge, de saudosa memória, ocupava este espaço e eu agora venho ocupar? Não. Há um processo de um povo em caminho e que se percebe melhor na continuidade. É natural que haja algumas coisas a mudar, a melhorar, acertar e corrigir, que aconteceriam também se o pároco se mantivesse o mesmo, mas isso não é uma decisão do pároco. Uma Paróquia é uma unidade eclesial, não é um conjunto de pessoas reunidas em volta do padre. É um conjunto de pessoas reunidas à volta de Jesus Cristo com o padre incluído. A presidência de uma comunidade é um serviço, mas não se exerce sozinho, exerce-se com todos e por isso, as primeiras coisas que estou a fazer é reunir os diversos conselhos, as diversas direções, os diversos grupos e sobretudo, ouvir. Vivemos este período em sintonia com o esforço de todos nos sentirmos mais Igreja e mais em caminho e esse caminho, que é imagem também da Igreja e dos processos onde eu não trago soluções. A minha grande paixão é que nos apaixonemos um pouco mais pela vida Cristã, pela vida do Evangelho, mas não é que eu a detenho. Há tantas sementes do Evangelho no coração de tantas pessoas, de tantas famílias, de tantos grupos. Quero simplesmente conhecer e depois percebermos juntos quais são as prioridades.
MH: Agora que o Natal se está a aproximar e para o conhecer ainda melhor, como é que era o Natal na sua infância?
AB: Era um Natal como o de todas as famílias portuguesas. Era um Natal onde se falava e se sublinhava muito a presença do menino Jesus e da distribuição das prendas, do mistério das prendas que só se abriam no dia seguinte, isto para falar do dia 24 e do dia 25. Era um Natal já um bocadinho urbano, porque cresci sempre pelo grande Porto, primeiro em Gaia e depois Rio Tinto, mas sempre com a recordação e vocação por parte dos meus pais e da aldeia e creio que de um ou outro Natal que em Paredes de Coura passamos.
MH: Ainda no seguimento do Natal, está a chegar a tradicional Missa do Galo. Qual é o significado desta Missa?
AB: É o significado de uma noite que é mais longa, mas que se torna aquela que onde se espera pela luz. Gostaria de lhe dar esse sentido e esse significado de uma luz que ilumina a noite, não só fisicamente, mas ilumina a noite da humanidade, porque é uma noite aquela que estamos a atravessar a tantos níveis e tantas expressões, sobretudo nos conflitos que vivemos e que atingem agora e de que maneira, o nosso próprio continente europeu.
MH: Sabemos que fez o Caminho Francês de Santiago. O que é que o fez tomar esta iniciativa e como correu?
AB: Quando falava das carícias do Pai Eterno que sinto na Maia, aqueles 40 dias foram também uma grande carícia. Eu vivi nove anos muito intensos, com uma intensidade muito grande, de coisas muito bonitas, de horizontes muito alargados, sobretudo na Ásia e muitos países da América do Norte, da América do Sul e esta intensidade teve também expressões de dificuldade, ao nível das situações que devia enfrentar. Agora já o posso dizer, nessa altura mantive-o reservadamente até pelas repercussões que isso podia ter na comunidade cristã e no mês de julho, que é um mês em Itália tipicamente de férias, eu dei-o ao Paquistão. Entre Abril e Maio já tinha estado em seis países da América Latina, enfrentando também situações difíceis com colegas, irmãos, padres, com a Igreja, etc e eu sentia a necessidade de um tempo de paragem, em caminho onde pudesse sintetizar todas estas coisas, referi agora duas viagens, mas elas foram 15 em todos estes anos. Sentia que me era pedido fazer um tempo onde pudesse refletir, rezar estas situações e rezar por todas estas pessoas, fazer silêncio e prepara-me para a nova missão. Quando decidi, não sabendo ainda qual fosse, tinha só pedido que fosse uma Paróquia. O D. Manuel Linda com muita compreensão acedeu, porque normalmente numa Diocese o trabalho e o ano pastoral começam em setembro e eu em setembro não me era possível estar cá, foi o mês em que deixei Itália. E acedeu em poder chegar à Diocese em novembro e vislumbrei aí uma oportunidade única, que eu penso que nunca mais terei na vida: 40 dias para fazer caminho. Já desde os anos 90 que o Caminho de Santiago era uma das atividades que propúnhamos aos alunos universitários na Páscoa, mas eu dizia sempre em versão quase reduzida com aqueles cinco, seis dias que podíamos fazer. Essa experiência levei-a também para a Paróquia das Antas, onde também fui pároco oito anos, teve até expressões e algumas edições ecométricas. Porquê caminhar? Porque peregrinar é parábola para excelência da vida. Na peregrinação encontramos tudo aquilo que temos na vida, mas sobretudo aquilo que na vida tantas vezes é esquecido ou relegado para um segundo plano. O sentido da meta, do esforço para chegar lá, da consequência da dor, da presença da natureza, do outro, mas também da solidão e do silêncio. Eu sentia necessidade de tudo isto e percebi que havia possibilidade de o fazer a partir dos Pirenéus Franceses. Fi-lo a partir do dia 1 de outubro, fiz coincidir as etapas com o dia do mês, tive a presença e a companhia de alguns portugueses que quiseram ir caminhar comigo. Tive outros dias sozinho, mas no caminho nunca se vai sozinho e foi de uma descoberta muito grande, por um lado de um tempo diário de meditação e oração muito mais aprofundado do que o normal e por outro lado, da descoberta de tantos rostos bonitos da humanidade, de todas as gerações, de todas as proveniências. Caminhamos até Santiago e como já tinha previsto, quis fazer também de Santiago ao Porto. A imagem mais bonita que já tenho contado foi que, sendo a última etapa até ao Porto, depois de tantos dias de chuva, na etapa 40, dia nove de novembro, o sol tinha finalmente aparecido. Foi o convite para fazer do Porto até à Maia a pé. Foi a primeira vez, anonimamente que entrei na Maia sem que ninguém o soubesse e que visitei e rezei por todos os futuros paroquianos. Foi a última etapa do Caminho de Santiago, que agora quero desdobrar por todos os dias que aqui estiver, porque não se é cristão estacionado. Se há uma palavra que define o caminho e as pessoas que fazem o caminho de diversos credos, até não crentes que encontrei, é uma palavra que me parece desafiadora para a vida dos cristãos, que é encontrar buscadores. Deus vai-se balbuciando, buscando, duvidando, perguntando e o caminho ajuda muito a entender a vida, a vida da Igreja e a vida da humanidade e a conhecer-nos a nós próprios.
MH: Mudando de assunto, o que pensa sobre o casamento e constituição de família dos padres?
AB: Começo pela última, até para desfazer um equívoco. Eu acho que ás vezes não se trata do casamento dos padres, ainda que possa parecer um preciosismo. Trata-se da possibilidade de ordenação de homens casados, isto é, em que nada vem abolir um valor na Igreja que é uma consagração celibatária, essa continuará sempre e haverá sempre essa possibilidade. O que está, espero e desejo, em cima da mesa é a possibilidade de, no direito canónico romano, a possibilidade de serem ordenados presbíteros como homens casados, ou seja, homens casados que são ordenados e essa opção deve ser possibilitada no processo de formação dos padres. Eu digo isto porque em plena comunhão com a Igreja Católica de Roma há ritos orientais de homens casados que são padres, com as suas famílias. No tempo de formação de discernimento vocacional há um discernimento em relação ao chamamento a viverem o sacerdócio como celibatários ou viverem como casados. A celebração do matrimónio acontece sempre antes da ordenação. Um seminarista que escolhe o matrimónio celebra o matrimónio. Tenho bons amigos e boas famílias, de padre de rito oriental, com as suas esposas e com as suas famílias, celebram o matrimonio e são depois ordenados padres. O que acontece no direito canónico e na tradição ocidental essa possibilidade nunca foi contemplada, por isso parece-me que é mais do que todos os elementos teológicos, porque ás vezes, erradamente, fala-se do matrimónio contra o celibato e vice-versa. O sacramento da ordem e o sacramento do matrimónio estão até juntos, como sacramentos ao serviço da comunhão e, portanto, percebo que haja uma reflexão e há um percurso de reflexão a fazer, mas não me parece que seja impossível, a partir até deste dado, que, para mim, não é algo totalmente estranho á Igreja Católica, com os tais, se não me engano, 21 ritos orientais que nela existem com a possibilidade de ordenação de homens casados.
MH: Que posição defende sobre a ordenação das mulheres?
AB: Já a questão de ordenação das mulheres merece (até porque não existe essa tradição em nenhuma Igreja de comunhão católica, chamemos assim) uma reflexão aprofundada. Deixo essa reflexão, não me cabe a mim sequer ter opinião, porque alguma opinião tenho. Isto é quase uma observação pormenor, o que me parece é que, ás vezes, a questão ainda é abordada em chave de poder, isto é, como se a Igreja como uma pirâmide com o Papa no topo, depois os bispos e os padres e os consagrados e depois, na base, a mulher deveria ter acesso a aceder. Eu teria um bocadinho o cuidado no sentido de desmontar esta pirâmide, mas que não fosse essa a chave. Há muitas razões a favor, penso que há também muitas razões que poem algumas reservas em relação a isso e eu acho que será necessária uma reflexão serena, aprofundada, que se faz em caminho, que sendo uma decisão significativa para a vida da Igreja, não se pode tomar de animo leve. Uma coisa em tudo isto, eu tenho a certeza, que estes são sinais de que há que reconhecer a igual dignidade da mulher na Igreja, alias a própria Igreja é feminina, o nome da Igreja é feminino. Eu espero um dia na sociedade em que não seja preciso celebrar o Dia da Mulher, porque isso é sinal de que alguma coisa está a falhar. Desmontando uma abordagem de poder e, entretanto, dando tantos passos para que a mulher na Igreja seja mais valorizada. Chegando à Paróquia vi alguns órgãos que primam quase pela ausência de mulheres e fui o primeiro a dizer “Não pode ser” porque o povo de Deus é masculino e feminino. Somos todos pessoas e a riqueza da diversidade do masculino e do feminino precisa de ser reencontrada e valorizada.