A terra onde o tempo repousa
Há um canto discreto no meu bairro onde o tempo parece curvar-se, cansado, para repousar entre couves, regadores e silêncios partilhados. Não há pressa ali — só terra, mãos calejadas e olhares que sabem o valor de uma estação inteira à espera de um tomate maduro. São hortas comunitárias, mas talvez seja mais justo chama-las de escolas invisíveis, onde se aprende o que nenhuma pressa urbana consegue ensinar.
Neste pedaço verde, escondido entre prédios e ruas de trânsito constante, os habitantes da Maia redescobrem um ofício ancestral: fazer nascer alguma coisa com as próprias mãos. Aqui, não há métricas de produtividade nem metas mensais. O que há é a chuva que vem ou não vem, a lua que interfere mais do que o mercado, e a esperança — sempre ela — que brota com cada semente enterrada.
Vejo o senhor Armando, reformado, de joelhos na terra, como quem reza. Não fala muito, mas sorri com os olhos quando vê a alface abrir-se em verde. Ao lado, dona Lurdes conversa com os feijoeiros, e jura que crescem melhor assim, ao som de palavras doces. O cultivo não é só de alimentos — é de paciência, de comunidade, de tempo devolvido à sua dignidade.
O que estas hortas nos ensinam talvez seja simples demais para os algoritmos: que viver é cuidar, que crescer exige espera, e que o mundo, por vezes, precisa apenas de menos ruído e mais raízes.
Importa referir que os nomes mencionados na crônica são fictícios, salvaguardando assim as respectivas identidades.
Ana Pereira de Lima
Maiata