A Arte de Envelhecer: Mais Viver do que Contar Anos!
Opinião de Ricardo Oliveira,
Médico
Olhamos para o espelho, e ele, esse grande desgraçado, devolve-nos o Tempo. São as rugas, são os cabelos brancos, são as peles que cedem. Sinais, dizemos… diz a gente, da passagem implacável dos anos. Mas será que a vida, lá para o fim, é só uma contabilidade de primaveras e de um corpo que se inclina à lei de newton da gravidade? Ou será, talvez, a mais subtil e, confesso, a mais desafiante das artes: a de envelhecer ativamente, pintando cada dia, não a cores, mas com a tinta da qualidade de vida?
Ouvimos falar de reforma e pensamos logo na quietude, no sossego de quem já cumpriu. Pois bem, ainda bem que essa ideia pode ser uma coisa do passado! Hoje, assistimos a uma revolução discreta, mas intensa. Os nossos mais, permitam-me chamar-lhes, mais experientes, que antes pareciam só figuras de um qualquer cenário onde estão fixos aos bancos de jardim, estão a reinventar-se…. e como se reinventam! Aprendem mandarim, viajam para sítios nunca dantes viajados, e metem as mãos na massa em projetos comunitários com uma energia que nos envergonha a todos.
A palavra “idade” está a perder a guerra para a palavra “experiência”.
Claro que o corpo avisa. Uma dor aqui, outra ali. Até brincam com isso e dizem-nos que a estão na idade daquele animal… do “Condor”! A memória que vai pregando as suas partidas, a energia que poderá já não ser a mesma. É assim a vida. Mas a verdadeira diferença entre “envelhecimento passivo” e “envelhecimento ativo” não está na saúde, está na atitude. É a diferença entre passar os dias a lamentar o que se perdeu e a celebrar o que ainda se pode conquistar. É perceber que o limite não está no corpo, mas na cabeça, na atitude…
Conheci a Dona Emília, 82 anos, que se inscreveu num curso de pintura e agora tem quadros pendurados no centro da sua freguesia, terra natal, afirma ela com orgulho. Ou o Sr. Manuel, 75, que trocou o sofá por uma bicicleta de montanha e agora descobre novos trilhos por Porto e arredores, incluindo a nossa Silva Escura. Conheço outros que viajam de comboio com o seu passe verde, ou com o seu passe a preço controlado e ensinam-me os truques e as virtudes desta actividade. As suas histórias não são só bonitas, são a prova de que a qualidade de vida na velhice não nos cai no colo, é uma escolha diária, um investimento que fazemos em nós próprios. Contudo, não vá o leitor enganar-se… esse investimento começa cedo…
Envelhecer ativamente é ter a cabeça a mil, o corpo a mexer-se (mesmo que mais devagar), e o coração aberto para aprender e para a conversa. É cultivar os amigos, rirmo-nos das nossas próprias falhas, e ter a coragem de começar de novo. É ter um propósito, por mais pequeno que seja, que nos faça saltar da cama com um sorriso e a certeza de que há algo à nossa espera.
O Papel das Câmaras Municipais: Não é Só Gerir, É Construir Sonhos.
E neste cenário de um envelhecimento ativo, de um ganho efetivo de saúde dos nossos, que a nossa sociedade tem um papel crucial. É aqui que as Câmaras Municipais podem fazer a diferença, e fazem-no. Longe de serem apenas entidades burocráticas, as autarquias mais inteligentes percebem que apostar nos mais experientes é apostar no futuro da comunidade.
Basta olhar para as universidades seniores que se multiplicam por aí, muitas com o apoio direto dos municípios. Ali, aprende-se idiomas, a história da terra, a internet, ou até a dançar. Não é só aprender, é também lutar contra a solidão, é pôr a cabeça a funcionar e fazer novas amizades. E depois há as aulas de hidroginástica gratuitas, as caminhadas organizadas, os clubes de leitura nas bibliotecas. Pequenos gestos que, no fim, mas no que verdadeiramente interessa, têm um impacto gigante.
Mas o papel das autarquias não se esgota aqui, podendo também garantir transportes acessíveis e espaços públicos amigáveis, ou promover eventos intergeracionais, onde avós e netos partilham o mesmo espaço. O apoio a associações de reformados, a cedência de um salão para um baile, ou de um técnico para uma conversa sobre saúde. É esta teia de oportunidades, tecida com o apoio público, que dá à Dona Emília um pincel e ao Sr. Manuel uma bicicleta.
Tudo isto, quando é bem feito, não é só para ocupar o tempo. É a forma como as pessoas encontram um propósito. É o que nos faz sentir úteis, valorizados, parte de um todo. É o ingrediente secreto que tempera a vida, que lhe dá cor, transformando a passagem dos anos não numa contagem de perdas, mas numa jornada de sabores intensos e descobertas, até ao último momento, ate ao último suspiro.
Por tudo isto não faltam oportunidades para todos nós sermos parceiros activos numa prevenção primária e primordial onde foco passa a ser a promoção de saúde, e não apenas a prevenção de doença… aliás, conceitos cada vez mais celebrados pela Organização Mundial de Saúde.