As autarquias e a democratização da saúde dos jovens
Opinião de Ricardo Oliveira
Médico especialista em Medicina Geral e Familiar; Pós graduado em Acupuntura Médica Contemporânea; Docente Universitário; Neurofisologia, IPP; Engenharia Biomédica, FEUP
Apressados, de mochilas às costas, os jovens correm.
Correm para a escola, para o treino de futebol, para a aula de música, correm de um lado para o outro e para todo o lado! Têm horários que se assemelham aos dos adultos, vidas preenchidas por compromissos que, à primeira vista, parecem benéficos, que os pais dizem ser investimentos. É a busca pelo desenvolvimento integral, pela formação de cidadãos completos e preparados para o futuro. Para esse futuro que ainda não chegou, e que afinal todos desconhecemos quais as ferramentas necessárias para nele conviver. No entanto, nesta corrida desenfreada, é crucial parar e questionar algo simples: a que custo?
Ninguém nega importância das atividades extracurriculares no desenvolvimento qualquer criança. Elas são a base para o crescimento de competências essenciais que a escola, por si só, não consegue oferecer e que devem também fazer parte do seu construto pessoal e porque não assumi-lo moral.
Praticar desporto é algo de bem mais abrangente e não desenvolve apenas a coordenação motora ou a disciplina, mas ensina também a trabalhar em equipa, a lidar com a vitória, a derrota, a liderar e a superar…
Aprender a tocar um instrumento musical estimula entre muitas outras coisas a criatividade e a concentração.
Participar num clube de debate fortalece, por exemplo, a capacidade de argumentação e com isso a autoconfiança.
Estes são alguns dos bons alicerces que moldam a saúde mental e física, e preparam qualquer jovem para uma vida adulta mais equilibrada e resiliente.
O estudo, a par do jogo, da arte e do desporto, ou seja, toda a interdisciplinaridade constrói uma pessoa mais robusta, com menos propensão para a ansiedade, a depressão ou o sedentarismo.
Contudo, o excesso é um perigo silencioso que fala bem alto.
Facilmente se constrói agenda sobrecarregada, sem tempo para o ócio, para o “nada”, e que pode ser tão prejudicial quanto a falta de estímulos. O equilíbrio, como em tudo na vida, é a chave. O stress e a pressão para se destacar em todas as frentes podem levar ao esgotamento físico e emocional. E aqui não resisto a uma pequena provocação… será esta pressão dos nossos jovens ou nossa como educadores e pais a tentar fazer o melhor por eles?
Os nossos jovens precisam de tempo para explorar o que os rodeia para aborrecerem-se e, a partir desse aborrecimento, construir, construírem-se e reconstruir, descobrindo novas paixões ou, simplesmente, descansarem. A saúde de um jovem, como a de todos, não se mede apenas pela ausência de doença, mas pela sua capacidade de se adaptar, de ser feliz e de encontrar um propósito.
É aqui que entram as autarquias, com um papel fundamental e humanizado a desempenhar, e porque não sonhá-lo quase que personalizado. A desigualdade social manifesta-se também na oportunidade de acesso a estas atividades promotoras deste desenvolvimento. Nem todas as famílias têm a capacidade financeira de matricular os seus filhos em aulas de ballet, informática, xadrez ou de robótica.
Para que a equidade seja uma realidade, é imperativo que os municípios intervenham, democratizando o acesso. São eles que detêm a arma da proximidade, e a sorte do conhecimento das suas debilidades sociais. Porque não fazer destes conhecimentos a sua maior arma e ferramenta?
A criação de programas de férias escolares, não só no verão, mas também na Páscoa e no Natal, com preços controlados, é uma solução, fácil, mas melhor do que fácil é também viável e transformadora.
Imagine umas férias da Páscoa onde as crianças podem experimentar teatro, desporto ou ciência a um preço simbólico. Imagine o Natal, onde em vez de passarem os dias em frente a um ecrã, podem aprender a programar ou a fazer voluntariado. Imagine que lhes despertarmos a paixão de interação com todas as faixas etárias da sociedade e com todos os estratos sociais…
Estas iniciativas não apenas combatem o aborrecimento e a exclusão social, mas também aliviam a pressão sobre as famílias que trabalham e não têm com quem, ou onde deixar os seus filhos. Estes momentos de descoberta e convívio, que fogem da rotina escolar, são vitais quer para a sua saúde mental dos jovens, quer para a sua construção. São oportunidades para criar laços, descobrir talentos e construir memórias e relações que duram uma vida.
Investir na saúde dos jovens é investir no nosso futuro enquanto sociedade. É criar uma geração mais forte, mais coesa e mais saudável.
Por isso é papel de todos — pais, educadores, mas permitam-me a responsabilização, sobretudo, das autarquias — garantir que o desenvolvimento das nossas crianças seja para além de total, completo, equilibrado e acessível a todos, sem exceção. Porque o futuro de um jovem não é uma corrida, mas sim uma maratona, e todos merecem partir da mesma linha e ter os mesmos treinos!