Fé, festa e esperança: o olhar do pároco da Maia sobre a padroeira e os desafios do presente
A cidade da Maia está em festa com a celebração da sua padroeira, Nossa Senhora do Bom Despacho, um momento que, para muitos, representa mais do que tradição: é uma oportunidade de reencontro com a comunidade, com a fé e com os valores que sustentam a identidade local. Em entrevista ao Maia Hoje, o pároco Padre António Bacelar partilha uma reflexão profunda sobre o papel da Igreja nestes tempos marcados por incertezas, a relação entre as festividades religiosas e populares e a importância de manter viva a esperança. Com um percurso pastoral vivido em diferentes partes do mundo, traz uma visão humana e universal sobre os desafios que hoje se colocam à sociedade e à fé.

Maia Hoje (MH): Que mensagem tem para os maiatos nesta época festiva da nossa padroeira?
Padre António Bacelar (PAB): Vivemos, a nível global e também mais próximo, tempos desafiantes e mesmo contraditórios. Uma época festiva como a que vivemos – dos santos populares aos arraiais de Verão, passando pelas festas da nossa padroeira – liberta-nos, de alguma forma, da tentação de desânimo que poderia sobrevir, mas também não afasta magicamente as dificuldades. É uma possibilidade de recriar aqueles espaços onde tudo se pode tornar mais luminoso e que são os espaços dos relacionamentos de proximidade, de amizade, de cumplicidade. Nas primeiras festas em que há um ano participei, registei, com muito agrado, esse clima como “património” a não perder e a desenvolver sempre mais. Poderá ser assim um tempo de renovação da nossa alegria e em modos que não dão “ressaca” mas melhoram o nosso olhar sobre a humanidade, o que é também a nossa parte na sua construção.

MH: O que devemos recordar como católicos?
PAB: É impossível não recordar o “Ano Jubilar” que todos vivemos e cujo lema – “peregrinos da esperança” – tanto tem a ver também com “festa”: como júbilo, como peregrinação e como esperança.
Porque é impossível viver a festa sem a alegria que a motiva e que a alimenta. Porque a festa inspirou e continua a inspirar tanto do nosso peregrinar em torno dos locais, como o Santuário da nossa Padroeira.
Porque, enfim, em tais caminhos e eventos reaviva-se a verdadeira esperança, aquela que, mesmo se por vezes invisivelmente, nos move e daqui nos envia.
Demos, pois, esta “oportunidade à esperança” que podemos reavivar em nós! E deixemo-nos inspirar por Maria, Senhora da Bom Despacho e por isso da esperança e da alegria serena, em todas as circunstâncias.
MH: Como vê a dicotomia entre as festividades religiosas e as populares?
PAB: A existir não a vejo como um “drama”, mas como parte de um caminho. E onde sempre, em caminho, nos podemos encontrar na busca comum do que significa hoje ser pessoa. Nesse esforço de todos, talvez consigamos abrir mais o “popular” a tudo o que nos constitui como pessoas, como cultura e abertura a todas as dimensões que a constituem, libertando-o, simultaneamente, do banal que nada constrói. E talvez também possamos emprestar mais humanidade às expressões religiosas, resgatando-as de formas idolátricas ou mesmo mágicas, distantes de Deus feito homem em Jesus Cristo, centro da nossa fé.
MH: O senhor Padre Bacelar é quase, permita-me, um homem do mundo, em tantos lugares já serviu. Por isso, entendo pertinente, nesta altura de incertezas mundiais, perguntar o que é que sente a sua alma e que mensagem gostaria de passar?
PAB: Creio que antes de mais, sinto tudo o que cada pessoa sente ao reconhecer-se parte e elemento de construção da humanidade: interrogação, apreensão e mesmo repulsa pelas atrocidades que continuam a cometer-se, pela impotência e mesmo inoperância e fracasso de tantas instâncias… O privilégio de ter partilhado muitos desses contextos – muitas vezes fisica e presencialmente, muitas mais ainda pelo contacto de mensagens e notícias – ainda mais agudiza esse sentir e chega a transformá-lo em mágoa, dor, tristeza (e mesmo lágrimas). Porque há nomes e rostos concretos de irmãos e irmãs com quem partilhei trechos da própia vida. Ao mesmo tempo, porém, fazem-me reacender a esperança: o modo como enfrentam tudo, a resiliência heróica, a esperança que persevera em todas as circunstâncias … E, enfim, tornam ainda mais alargada a minha, mesmo se pobre, oração!
