A Fonte da Verdade
A verdade e a mentira são opostos fundamentais da sociedade humana. Acreditar na realidade dos factos é um exercício que, paradoxalmente, se torna mais difícil à medida que temos mais acesso à informação. Evoluímos para confiar nos nossos sentidos e nas histórias dos outros e, no entanto, todos sabemos que a mentira é tão antiga como a linguagem. Apesar de reconhecermos que todos mentem, não passamos o dia a duvidar de tudo, pois viver nesse estado de suspeita permanente tornaria impossível qualquer vida em sociedade. Muitas vezes a mentira faz-nos mais felizes, como as que contamos a nós próprios todos os dias para lidar com a verdade de que não gostamos.
Em sentido contrário, a física, a matemática e a filosofia operam no culto da verdade: todos os grandes saltos civilizacionais vieram do esforço gigantesco de filtrar o erro e a ilusão, para definir aquilo que é verdadeiro. Criámos métodos, teorias, organizações, academias, tribunais, tudo com um único objetivo: chegar mais perto da verdade. Mas, no mundo actual, teremos ainda acesso a uma verdadeira fonte de verdade?
A Internet e as redes sociais massificaram a informação a um ritmo sem paralelo na história da humanidade. E se com isso tivemos grande progresso, também já aprendemos sobre o custo negativo da desinformação. A actual iteração da Inteligência Artificial, no seu conceito uma imitadora, traz agora uma nova fornada de progresso e problemas para resolver. Nos próximos anos, qualquer conteúdo digital, seja imagem, voz ou vídeo, poderá ser falsificado em tempo real, por qualquer pessoa. A mentira passará a reinar sobre a verdade, o que trará grandes dificuldades ao sistema de justiça e ao contrato social de que dependemos.
E o sistema político? Bem, com o tempo, passamos a acreditar que a política já era o recreio favorito dos mentirosos, aldrabões e manipuladores, constantemente na luta por poder sobre as outras pessoas. Por isso, não espanta que as novas ferramentas de desinformação encontrem no jogo político um terreno fértil. Vemos isso todos os dias, por todo o mundo. E, quando a verdade fica escondida debaixo de camadas de ruído, o cidadão comum desiste de a procurar e refugia-se no conforto das suas convicções pré-existentes. Passa a acreditar no que quer ouvir e, assim, abre as portas ao populismo, intolerância e cinismo.
No entanto, cabe à política dar os passos certos para recuperarmos os nossos sistemas de verdade. Mas enquanto essa discussão decorre, temos que ser nós, individualmente, a tentar proteger a verdade. A verdade humana é um sistema de crenças. Não é imperativa como a matemática, mas sim uma construção baseada na experiência pessoal, informação disponível e confiança nas instituições.
Por isso, por agora, teremos recalibrar o nosso cepticismo no digital:
- Um facto viral nas redes sociais? Provavelmente falso.
- Uma notícia que nos faz sentir ódio ou medo? Provavelmente falsa.
- Conteúdos que incitam violência? Provavelmente baseados numa mentira.
- Não presenciamos um acontecimento horrível? Provavelmente não aconteceu.
Depois, é importante perceber o seguinte: a verdade é difícil. É cansativa. Não há soluções mágicas. Envolvam-se no mundo real, visitem os locais, falem com as pessoas. Exijam dados e não opiniões. Duvidem de quem vos quer vender certezas absolutas embaladas para consumo imediato. Qualquer um que vos diga o que querem ouvir, não quer saber da verdade.
A verdade é o bem mais valioso do universo. Temos que a tratar como tal.
Nuno Gomes
Arquitecto de Software
Vice-Coordenador da Iniciativa Liberal Maia