Pedro Caetano, cientista português em Oxford, desvenda ao Jornal da Maia, o que está a ser feito no mundo “farmacêutico” para combater o COVID19

Pedro Caetano, cientista português em Oxford, desvenda ao Jornal da Maia, o que está a ser feito no mundo “farmacêutico” para combater o COVID19

Pedro Caetano, cientista português, com experiência de duas décadas na indústria farmacêutica multinacional nos EUA e Europa do Norte, ao Jornal da Maia e Maiahoje:

«A incógnita principal parece ser o tempo que vai demorar até termos “Arsenal terapêutico”»

 

Oxford, Reino Unido, 25 de Março de 2020

 Preferia estar a trabalhar da minha casa em Sesimbra, a ver o oceano Atlântico, do que estar em Oxford a ver o rio Tamisa, mas é um prazer daqui informar os meus queridos conterrâneos de Portugal, neste caso os Maiatos.

Profundamente ligado à Indústria Farmacêutica mundial, neste artigo que publico no Jornal da Maia online e no Jornal MaiaHoje em papel, pretendo explicar todos os medicamentos e vacinas que, à data de hoje, existem ou estão em plena fase de testes. 

O Corona Vírus 2 do SARS-CoV-2 (Síndrome Agudo Respiratório Grave), desde que surgiu, num mercado alimentar de morcegos e outros animais selvagens em Wuhan, na China, já infectou 450.000 e matou 20.000 pessoas. O nome foi atribuído porque esta doença do Corona Vírus surgiu em Dezembro de 2019, e assim chama-se Covid-19.

 

Bactérias e vírus já destroem cidades desde há 7000 anos.

A epidemiologia, ciência que mede como as doenças infecciosas se espalham em populações, estima que se não se fizesse nada, nos próximos quatro meses o vírus mataria meio milhão de pessoas no Reino Unido e, extrapolando, 80 000 em Portugal. Sendo que quanto mais idosas e mais doenças tiverem as pessoas, maiores são as probabilidades de fatalidades. A nossa própria maneira de viver pode ser ameaçada, com consequências devastadoras não só para a economia, mas para toda a sociedade. Bactérias e vírus já destroem cidades desde o início da civilização na mesopotâmia há 7000 anos.

 

Quer-se número de infectados baixo e espaçados temporalmente.

Estamos, pois, numa guerra contra um inimigo invisível, mas terrível. Uma vez que este inimigo é tão recente, não há ainda arsenal de vacinas e medicamentos contra ele, até estes serem desenvolvidos, as únicas medidas que Portugal e outros países podem tomar por agora, são medidas não farmacêuticas como o fecho das escolas e o isolamento em casa. Obviamente isto não pode continuar para sempre. O objetivo é que, entretanto, além de se manter o número de infetados baixo e espaçado temporalmente para que o sistema de saúde consiga lidar com o número de doentes, se dê tempo à indústria farmacêutica de fabricar armas poderosas para esta guerra.

 

As vacinas mais rápidas não são as tradicionais, mas sim as mRNA. Ingleses poderão aprovar no final do verão de 2020.

Felizmente há esperança e as companhias farmacêuticas estão já, muito mais rápido do que o habitual, dada a urgência da guerra, a desenvolver novas vacinas e medicamentos.

As vacinas mais rápidas de desenvolver contra este vírus não são as tradicionais, mas sim as mRNA (RNA mensageiro), que é uma molécula com instruções para as nossas células fazerem proteínas que combatam o vírus caso ele apareça, por exemplo, que não deixem as proteínas do próprio vírus ligar-se a células humanas ou replicar-se dentro delas.

 Na empresa “BioNTech”, em Mainz, na Alemanha, o Professor Ugur Sahin, com o apoio dos Americanos da “Pfizer” e dos Chineses da “Fosun”, já está a testar uma vacina desse género em ratos. Os ensaios em humanos vão começar em Abril. Esta empresa começou a trabalhar na vacina logo em janeiro deste ano e tem já 400 cientistas em exclusivo no Covid-19. Para já, só promete trabalho e não datas especificas, de forma a encontrar uma vacina bem-sucedida de entre as várias que vão desenvolver e testar.

– No Instituto “Jenner” da Universidade de Oxford na Inglaterra, de onde este autor escreve para a Maia e para os Portugueses, a professora Sarah Gilbert, especialista em vacinas contra vírus e fundadora da empresa de vacinas “Vaccitech”, planeia testar em humanos, já em Maio, uma vacina desenvolvida em Oxford, mas fabricada pela companhia italiana “Advent”. No entanto, primeiro tem de ser realizados ensaios em animais que começam esta semana na “Porton Down”, um laboratório britânico militar, ligado historicamente à atual companhia farmacêutica do autor. O governo britânico, afirma que, na melhor das hipóteses, esta vacina poderia já ser aprovada, sem ter todos os ensaios completos, pela agência regulamentar inglesa (MHRA), no final do verão de 2020.

– Nos EUA, a empresa “Moderna, Inc.” juntamente como o NIAID (Instituto de Doenças Infecciosas dos EUA), de Anthony Fauci, um epidemiologista que foi um herói na guerra da humanidade nos anos 1980 contra o vírus da SIDA e que podem ver ao lado do presidente Trump nas conferencias de imprensa deste, iniciou já na semana passada, em Seattle (EUA), um ensaio clinico de fase 1 com vista a uma possível vacina, designada “mRNA-1273”. Os Americanos são mais cautelosos nas promessas que os Ingleses. Acham que podem demorar 12 a 18 meses até terem uma vacina aprovada pela FDA (Agência Regulamentar Americana do Medicamento). Isto porque primeiro tem de terminar estes ensaios de fase 1 com dezenas de voluntários, depois fazerem ainda ensaios de fase 2 com algumas centenas de pessoas e finalmente, de fase 3, com muitas centenas. Só nessa altura saberão se a vacina é segura e eficaz para poder ser usada em milhões de pessoas, não infectadas, para estas não contraírem nem espalhar o Corona Vírus pela comunidade.

 

Novo medicamento (antiviral) será mais rápido (2 meses) e poderá travar a doença.

Entretanto, uma tarefa potencialmente mais rápida que inventar uma vacina para o novo corona vírus, será encontrar um medicamento que, naquelas pessoas já infetadas, pare ou reduza a multiplicação do vírus para que as consequências da infeção não cheguem ao ponto trágico das imagens que nos chegam de Bergamo na Itália, onde muitas infetados só conseguem respirar com ajuda de ventiladores ou nem isso.
Aqui o ideal seria que os medicamentos antivirais já existentes, logo que saiba que são relativamente seguros na guerra contra outros vírus, funcionassem especificamente contra o novo Corona Vírus.

– O “Remdesivir” produzido pela “Gilead” na Califórnia, EUA, contra o vírus Ébola demonstrou resultados em casos relatados de doentes infectados com Covid-19. Um ensaio clínico inicial em humanos começou a decorrer em vários países, levará pelo menos 2 meses, mas tem já cerca de 600 doentes a ser testados.

– O “Kaletra” (“Lopinavir” e “Ritonavir” usados normalmente contra o HIV ou vírus da SIDA), da “Abbvie”, também poderá ser útil no princípio da infecção, mas um ensaio clínico na China, em 200 doentes, falhou em pacientes já em estado avançado de infeção muito grave. Há também um ensaio paralelo mais pequeno em Hong Kong, com menos de 100 doentes, mas que demorará 29 meses! No entanto vai-se iniciar brevemente um grande ensaio clínico internacional, com mais de 300 doentes, para ver se o “Kaletra” funciona em doentes recentemente infetados.

– O “Fapiravir”, da “Fujifilm”, num ensaio com 340 doentes chineses, também mostrou ser promissor se administrado no início da infeção, mas não para doentes avançados.

– A “Cloroquina” (em combinação com a “Hidroxi-cloroquina”), descoberta na Bayer em 1934 contra a Malária e com propriedades antivirais, demonstrou agora num primeiro pequeno ensaio clínico em 24 doentes, na França, que pode ajudar a combater o Corona Vírus. Os EUA e a OMS começaram ensaios clínicos maiores, com cerca de 200 doentes, durante 6 meses, para tentar confirmar a segurança e eficácia.

– Por último, em termos de antivirais, a empresa farmacêutica britânica “Synairgen”, vai iniciar em breve um ensaio clínico com “SNG001”, um Interferão Beta, normalmente para infeções pulmonares.

 

Anti-inflamatórios estudados para travar eventual reação excessiva do sistema imunitário.

Além dos medicamentos antivirais acima descritos, também se estão a testar medicamentos anti-inflamatórios. Estes são para travar a reação excessiva do sistema imunitário contra o vírus que pode levar à morte.

– A empresa francesa “Sanofi” e a britânica “Regeneron”, estão a testar, em 400 doentes americanos, se o “Kevzara”, normalmente usado na artrite reumatoide, também pode ser usado para evitar as reações imunitárias mais graves em doentes com Covid-19.

– A empresa suíça “Roche” também vai testar já a partir de Abril e em cerca de 3000 doentes, se o seu medicamento para artrite reumatoide, “Actemra”, também funciona no Covid-19.

 

Os anticorpos adaptados dos existentes naturalmente.

A última categoria de possíveis novos medicamentos contra Corona Vírus são os anticorpos, adaptados daqueles produzidos naturalmente no corpo humano que são observados nas pessoas infetadas, cujo sistema imunitário conseguiu combater o Corona Vírus.

– A “Regeneron” está já a desenvolver dois desses anticorpos que testará em ensaios clínicos no verão. Na China, há um ensaio clínico com um anticorpo aplicado a cerca de 300 doentes, que está previsto demorar 4 meses.

– Finalmente, na China, em Wuhan, onde tudo começou, está a decorrer um ensaio clínico com 2000 doentes e que demorará pelo menos 5 meses, comparando muitos dos tratamentos acima descritos para tentar estabelecer qual o mais seguro e eficaz.

 

Concluindo, há muita atividade na indústria farmacêutica para encontrarmos armas para vencer este inimigo invisível.

Dados os resultados passados demonstrados por esta indústria contra tantos vírus como os de várias Hepatites, ou do Sarampo, Rubéola, Varíola, e, mesmo que parcialmente, SIDA, obviamente há razoes para ter esperança que também vão aparecer vacinas e/ou medicamentos contra a Covid-19.

A incógnita principal parece ser o tempo que vai demorar até termos tal arsenal terapêutico que mude o rumo desta guerra a favor de uma humanidade unida pelo inimigo comum Corona Vírus. Isto porque a maioria dos ensaios clínicos em humanos, descritos neste artigo, vão falhar ou demorar mais tempo do que os planos mais otimistas. Isto é normal dada a complexidade do problema, (por exemplo mutações virais e diferentes estirpes do Corona Vírus) e este autor sabe por experiência própria de duas décadas a trabalhar na indústria farmacêutica multinacional nos EUA e Europa do Norte.

Nota do autor: Estes dados são válidos à data. Como estou a acompanhar estes desenvolvimentos de perto (inclusive ensaios aqui, em Oxford, no Reino Unido, além de outros ensaios liderados a partir de Boston nos EUA, onde trabalhei antes muitos anos e onde tenho ainda muitos colegas e amigos na indústria farmacêutica) manter-vos-ei atualizados em publicações futuras.

Pedro Caetano (breve Currículo)

– Diretor Global da indústria Farmacêutica, Oxford, Reino Unido;

– Ex-professor de Epidemiologia e Farmacologia na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa;

– Doutorado em Farmacologia;

– Doutorado em Farmácia Clínica;

– Mestre em Saúde Pública;

– Certificado em Fármaco-Epidemiologia respetivamente pelas Universidades de Michigan (EUA), Ohio State (EUA), Harvard (EUA) e London School of Hygiene and Tropical Medicine (Reino Unido).

 

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